sábado, 22 de junho de 2013

Articular mentes, criar significado, contestar o poder

REDES REVOLUCIONÁRIAS


Cultura antecipa trecho de novo livro do sociólogo Manuel Castells, “Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet”, que será lançado pela Zahar


Ninguém esperava. Num mundo turvado por aflição econômica, cinismo político, vazio cultural e desesperança pessoal, aquilo apenas aconteceu. Subitamente, ditaduras podiam ser derrubadas pelas mãos desarmadas do povo, mesmo que essas mãos estivessem ensanguentadas pelo sacrifício dos que tombaram. Os mágicos das finanças passaram de objetos de inveja pública a alvos do desprezo universal. Políticos viram-se expostos como corruptos e mentirosos. Governos foram denunciados. A mídia se tornou suspeita. A confiança desvaneceu-se. E a confiança é o que aglutina a sociedade, o mercado e as instituições. Sem confiança, nada funciona. Sem confiança, o contrato social se dissolve, e as pessoas desaparecem, ao se transformarem em indivíduos defensivos lutando pela sobrevivência. Entretanto, nas bordas de um mundo que havia chegado ao limite de sua capacidade de propiciar aos seres humanos a faculdade de viver juntos e compartilhar sua vida com a natureza, mais uma vez os indivíduos realmente se uniram para encontrar novas formas de sermos nós, o povo.

De início, eram uns poucos, aos quais se juntaram centenas, depois formaram-se redes de milhares, depois ganharam o apoio de milhões, com suas vozes e sua busca interna de esperança, confusas como eram, ultrapassando as ideologias e a publicidade para se conectar com as preocupações reais de pessoas reais na experiência humana real que fora reivindicada. Começou nas redes sociais da internet, já que estas são espaços de autonomia, muito além do controle de governos e empresas, que, ao longo da história, haviam monopolizado os canais de comunicação como alicerces de seu poder. Compartilhando dores e esperanças no livre espaço público da internet, conectando-se entre si e concebendo projetos a partir de múltiplas fontes do ser, indivíduos formaram redes, a despeito de suas opiniões pessoais ou filiações organizacionais. Uniram-se. E sua união os ajudou a superar o medo, essa emoção paralisante em que os poderes constituídos se sustentam para prosperar e se reproduzir, por intimidação ou desestímulo – e quando necessário pela violência pura e simples, seja ela disfarçada ou institucionalmente aplicada. Da segurança do ciberespaço, pessoas de todas as idades e condições passaram a ocupar o espaço público, num encontro às cegas entre si e com o destino que desejavam forjar, ao reivindicar seu direito de fazer história – sua história –, numa manifestação da autoconsciência que sempre caracterizou os grandes movimentos sociais.

Os movimentos espalharam-se por contágio num mundo ligado pela internet sem fio e caracterizado pela difusão rápida, viral, de imagens e ideias. Começaram no sul e no norte, na Tunísia e na Islândia, e de lá a centelha acendeu o fogo numa paisagem social diversificada e devastada pela ambição e manipulação em todos os recantos deste planeta azul. Não foram apenas a pobreza, a crise econômica ou a falta de democracia que causaram essa rebelião multifacetada. Evidentemente, todas essas dolorosas manifestações de uma sociedade injusta e de uma comunidade política não democrática estavam presentes nos protestos. Mas foi basicamente a humilhação provocada pelo cinismo e pela arrogância das pessoas no poder, seja ele financeiro, político ou cultural, que uniram aqueles que transformaram medo em indignação, e indignação em esperança de uma humanidade melhor. Uma humanidade que tinha de ser reconstruída a partir do zero, escapando das múltiplas armadilhas ideológicas e institucionais que tinham levado inúmeras vezes a becos sem saída, forjando um novo caminho, à medida que o percorria. Era a busca de dignidade em meio ao sofrimento da humilhação – temas recorrentes na maioria dos movimentos.

Movimentos sociais conectados em rede espalharam-se primeiro no mundo árabe e foram confrontados com violência assassina pelas ditaduras locais. Vivenciaram destinos diversos, incluindo vitórias, concessões, massacres repetidos e guerras civis. Outros movimentos ergueram-se contra o gerenciamento equivocado da crise econômica na Europa e nos Estados Unidos, por governos que se colocavam ao lado das elites financeiras responsáveis pela crise à custa de seus cidadãos: Espanha, Grécia, Portugal, Itália (onde mobilizações de mulheres contribuíram para pôr fim à bufa commedia dell’arte de Berlusconi), Grã-Bretanha (onde a ocupação de praças e a defesa do setor público por sindicatos e estudantes se deram as mãos) e, com menos intensidade, mas simbolismo semelhante, na maioria dos outros países europeus. Em Israel, um movimento espontâneo com múltiplas demandas tornou-se a maior mobilização de base da história do país, obtendo a satisfação de muitas de suas reivindicações.

Nos Estados Unidos, o movimento Occupy Wall Street, tão espontâneo quanto os outros e igualmente conectado em redes no ciberespaço e no espaço urbano, tornou-se o evento do ano e afetou a maior parte do país, a ponto de a revista Time atribuir ao “Manifestante” o título de personalidade do ano. E o lema dos 99%, cujo bem-estar fora sacrificado em beneficio do 1% que controla 23% das riquezas do país, tornou-se tema regular na vida política americana. Em 15 de outubro de 2011, uma rede global de movimentos Occupy, sob a bandeira “Unidos pela Mudança Global”, mobilizou centenas de milhares de pessoas em 951 cidades de 82 países, reivindicando justiça social e democracia verdadeira. Em todos os casos, os movimentos ignoraram partidos políticos, desconfiaram da mídia, não reconheceram nenhuma liderança e rejeitaram toda organização formal, sustentando-se na internet e em assembleias locais para o debate coletivo e a tomada de decisões.

Este livro busca analisar esses movimentos: formação, dinâmica, valores e perspectivas de transformação social. É uma investigação sobre os movimentos sociais da sociedade em rede, movimentos que, em última instância, farão as sociedades do século 21, ao se engajarem em práticas conflitivas enraizadas nas contradições fundamentais de nosso mundo. A análise aqui apresentada baseia-se na observação dos movimentos, mas não tentará descrevê-los, nem será capaz de fornecer provas definitivas dos argumentos expostos no texto. Já está disponível uma profusão de informações, artigos, livros, reportagens e arquivos de blogs que podem ser facilmente consultados navegando-se pela internet. É cedo demais para construir uma interpretação sistemática, acadêmica, desses movimentos. Assim, meu propósito é mais limitado: sugerir algumas hipóteses, baseadas na observação, sobre a natureza e as perspectivas dos movimentos sociais em rede, com a esperança de identificar os novos rumos da mudança social em nossa época e de estimular um debate sobre as implicações práticas (e, em última instância, políticas) dessas hipóteses.

Essa análise tem por base uma teoria fundamentada do poder que apresentei no meu livro Communication Power (2009), teoria que fornece substrato para a compreensão dos movimentos aqui estudados.

Parto da premissa de que as relações de poder são constitutivas da sociedade porque os que detêm o poder constroem as instituições segundo seus valores e interesses. O poder é exercido por meio da coerção (o monopólio da violência, legítima ou não, pelo controle do Estado) e/ou pela construção de significado na mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica. As relações de poder estão embutidas nas instituições da sociedade, particularmente nas do Estado. Entretanto, uma vez que as sociedades são contraditórias e conflitivas, onde há poder há também contrapoder, que considero a capacidade de os atores sociais desafiarem o poder embutido nas instituições da sociedade com o objetivo de reivindicar a representação de seus próprios valores e interesses. Todos os sistemas institucionais refletem as relações de poder e seus limites tal como negociados por um interminável processo histórico de conflito e barganha. A verdadeira configuração do Estado e de outras instituições que regulam a vida das pessoas depende dessa constante interação de poder e contrapoder.

Coerção e intimidação, baseadas no monopólio estatal da capacidade de exercer a violência, são mecanismos essenciais de imposição da vontade dos que controlam as instituições da sociedade. Entretanto, a construção de significado na mente das pessoas é uma fonte de poder mais decisiva e estável. A forma como as pessoas pensam determina o destino de instituições, normas e valores sobre os quais a sociedade é organizada. Poucos sistemas institucionais podem perdurar baseados unicamente na coerção. Torturar corpos é menos eficaz do que moldar mentalidades. Se a maioria das pessoas pensa de forma contraditória em relação aos valores e normas institucionalizados em leis e regulamentos aplicados pelo Estado, o sistema vai mudar, embora não necessariamente para concretizar as esperanças dos agentes da mudança social. É por isso que a luta fundamental pelo poder é a batalha pela construção de significado na mente das pessoas.

Os seres humanos criam significado interagindo com seu ambiente natural e social, conectando suas redes neurais com as redes da natureza e com as redes sociais. A constituição de redes é operada pelo ato da comunicação. Comunicação é o processo de compartilhar significado pela troca de informações. Para a sociedade em geral, a principal fonte da produção social de significado é o processo da comunicação socializada. Esta existe no domínio público, para além da comunicação interpessoal. A contínua transformação da tecnologia da comunicação (TI) na era digital amplia o alcance dos meios de comunicação para todos os domínios da vida social, numa rede que é simultaneamente global e local, genérica e personalizada, num padrão em constante mudança. O processo de construção de significado caracteriza-se por um grande volume de diversidade. Existe, contudo, uma característica comum a todos os processos de construção simbólica: eles dependem amplamente das mensagens e estruturas criadas, formatadas e difundidas nas redes de comunicação multimídia. Embora cada mente humana individual construa seu próprio significado interpretando em seus próprios termos as informações comunicadas, esse processamento mental é condicionado pelo ambiente da comunicação. Assim, a mudança do ambiente comunicacional afeta diretamente as normas de construção de significado e, portanto, a produção de relações de poder.

Nos últimos anos, a mudança fundamental no domínio da comunicação foi a emergência do que chamei de autocomunicação – o uso da internet e das redes sem fio como plataformas da comunicação digital. É comunicação de massa porque processa mensagens de muitos para muitos, com o potencial de alcançar uma multiplicidade de receptores e de se conectar a um número infindável de redes que transmitem informações digitalizadas pela vizinhança ou pelo mundo. É autocomunicação porque a produção da mensagem é decidida de modo autônomo pelo remetente, a designação do receptor é autodirecionada e a recuperação de mensagens das redes de comunicação é autosselecionada. A comunicação de massa baseia-se em redes horizontais de comunicação interativa que, geralmente, são difíceis de controlar por parte de governos ou empresas. Além disso, a comunicação digital é multimodal e permite a referência constante a um hipertexto global de informações cujos componentes podem ser remixados pelo ator comunicativo segundo projetos de comunicação específicos. A autocomunicação de massa fornece a plataforma tecnológica para a construção da autonomia do ator social, seja ele individual ou coletivo, em relação às instituições da sociedade. É por isso que os governos têm medo da internet, e é por isso que as grandes empresas têm com ela uma relação de amor e ódio, e tentam obter lucros com ela, ao mesmo tempo que limitam seu potencial de liberdade (por exemplo, controlando o compartilhamento de arquivos ou as redes com fonte aberta).

Em nossa sociedade, que conceituei como uma sociedade em rede, o poder é multidimensional e se organiza em torno de redes programadas em cada domínio da atividade humana, de acordo com os interesses e valores de atores habilitados. As redes de poder o exercem sobretudo influenciando a mente humana (mas não apenas) mediante as redes multimídia de comunicação de massa. Assim, as redes de comunicação são fontes decisivas de construção do poder.

Por sua vez, as redes de poder em vários domínios da atividade humana constituem redes entre elas próprias. As redes financeiras e as multimídia globais estão intimamente ligadas, e essa metarrede particular detém um poder extraordinário. Mas não todo o poder. A metarrede das finanças e da mídia é ela própria dependente de outras grandes redes, tais como a política, a de produção cultural (que abrange todos os tipos de artefatos culturais, não apenas produtos de comunicação), a militar/de segurança, a rede criminosa e a decisiva rede global de produção e aplicação de ciência, tecnologia e administração do conhecimento. Essas redes não se fundem. Em vez disso, envolvem-se em estratégias de parceria e competição formando redes ad hoc em torno de projetos específicos. Mas todas têm um interesse comum: controlar a capacidade de definir as regras e normas da sociedade mediante um sistema político que responde basicamente a seus interesses e valores. É por isso que a rede de poder construída em torno do Estado e do sistema político realmente desempenha papel fundamental no estabelecimento de uma rede geral de poder. Isso porque, em primeiro lugar, a operação estável do sistema, assim como a reprodução das relações de poder em cada rede, depende, em última instância, das funções de coordenação e regulação do Estado, como ficou demonstrado no colapso dos mercados financeiros em 2008, quando governos foram chamados para efetuar o resgate no mundo todo.

Além disso, é por meio do Estado que diferentes formas de exercício do poder em distintas esferas sociais relacionam-se ao monopólio da violência como a capacidade de, em última instância, impor o poder. Assim, enquanto as redes de comunicação processam a construção de significado em que se baseia o poder, o Estado constitui a rede-padrão para o funcionamento adequado de todas as outras redes de poder.

Assim, de que modo as redes de poder se interconectam, embora preservando sua esfera de ação? Sugiro que o fazem por um mecanismo fundamental de construção do poder na sociedade em rede: a alternância de poder. Trata-se da capacidade de conectar duas ou mais diferentes redes no processo de construir o poder para cada uma delas em seus respectivos campos.

Dessa forma, quem detém o poder na sociedade em rede? Os programadores com a capacidade de elaborar cada uma das principais redes de que dependem a vida das pessoas (governo, parlamento, estabelecimento militar e de segurança, finanças, mídia, instituições de ciência e tecnologia etc.). E os comutadores que operam as conexões entre diferentes redes (barões da mídia introduzidos na classe política, elites financeiras que bancam elites políticas, elites políticas que se socorrem de instituições financeiras, empresas de mídia interligadas a empresas financeiras, instituições acadêmicas financiadas por grandes empresas etc.).

(tradução de Carlos Alberto Medeiros)

*por MANUEL CASTELLS Sociólogo espanhol e um dos teóricos mais citados no campo dos estudos de comunicação desde os anos 1990, quando publicou a trilogia Sociedade em Rede, na qual usou a então nascente noção de conexão global para tratar das mudanças nas esferas da cultura, da interação social e do exercício do poder político

Artigo publicado no jornal Zero Hora, nº 17469, 22 de junho de 2013, Caderno Cultura, pgs. 4 e 5.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Responsabilidade compartilhada

Descarte de celulares, computadores, geladeiras e televisões seguirá normas ambientais terão normas para proteger o meio ambiente

O descarte de equipamentos como celulares, computadores, geladeiras e televisões seguirá normas ambientais. Quatro propostas para o estabelecimento do sistema de logística reversa de produtos eletroeletrônicos foram entregues, nesta quarta-feira (12/06), ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). As sugestões serão analisadas e a previsão é que, até o fim do ano, seja assinado o acordo setorial entre governo e empresários, ação que regulamentará a destinação correta do lixo eletrônico. 

As propostas fazem parte do processo de desenvolvimento da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos eletroeletronico, com o objetivo de promover o descarte correto após o uso destes produtos e a destinação adequada dos seus resíduos. Após a análise, as sugestões terão de ser aprovadas pelo Comitê Orientador (CORI), coordenado pelo MMA e integrado por outros quatro ministérios (Fazenda, Saúde, Agricultura e Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior) e submetidas a consulta pública.

DIÁLOGO

O acordo setorial, que sairá com base nas propostas encaminhadas, contemplará as especificidades no descarte de cada categoria de produtos, desde os celulares até os eletrodomésticos de grande porte. “Estamos entrando em um território novo e o diálogo é muito importante para a construção do acordo”, afirmou o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do MMA, Ney Maranhão. “Quanto mais transparentes forem as propostas, mais rápido será o processo”.

Dentre as propostas apresentadas, há soluções para informática e celulares, eletrodomésticos e eletrônicos. A intenção é estabelecer um acordo que contemple as especificidades de cada um desses tipos de produtos. “O CORI definiu as regras mínimas como metas, localização geográfica dos pontos de coleta e a destinação dos resíduos”, explicou a gerente de Resíduos Perigosos do MMA, Sabrina Andrade.

As quatro propostas foram entregues ao MMA no último dia previsto pelo edital de chamamento. A negociação com a iniciativa privada, no entanto, ocorre há mais de um ano. Para Sabrina, a recepção das empresas e indústrias para a implantação da logística reversa dos eletroeltrônicos tem sido positiva. “Há um sentimento comum de mudança na mentalidade do setor”, avaliou. “A sustentabilidade é algo que já faz parte do setor”.

O gerente de Responsabilidade Socioambiental da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Ademir Brescansin, reiterou a importância de um trabalho conjunto na construção do acordo. “Queremos unir os esforços de todos os setores envolvidos, como a indústria, os fabricantes, os importadores e o comércio em geral, de formar a trazer menos impacto para todos”, explicou.

SAIBA MAIS

Logística reversa é um instrumento de desenvolvimento econômico e social, caracterizado pelo conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento e reciclagem, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada. Acordo setorial é um ato contratual, firmado entre o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto.

Por 
LUCAS TOLENTINO - Ministério do Meio Ambiente

domingo, 19 de maio de 2013

Logística Reversa torna-se realidade em São José dos Campos

A logística reversa de aparelhos eletroeletrônicos e eletrodomésticos em final de vida útil já começa a se tornar realidade em São José dos Campos (SP). A cidade foi escolhida pela Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (Abree) para abrigar o programa piloto de destinação ambientalmente correta de computadores, celulares, geladeiras e fogões que o consumidor joga fora.

Em 23 dias de campanha, realizada entre os dias 13 de abril e 5 de maio, foram arrecadadas 6,4 toneladas de lixo eletrônico em dois pontos de coleta, instalados em locais de grande visitação pública. O volume coletado, segundo o presidente da Urbanizadora Municipal de São José dos Campos (Urbam), Luiz Carlos de Lima, ficou acima das expectativas dos organizadores do programa, cuja meta era arrecadar cerca de 4 mil toneladas.

"O engajamento da população à campanha de coleta surpreendeu, principalmente, pelo pouco tempo de realização", disse. Pesquisa feita pela prefeitura com 1.340 moradores de São José mostrou que 26% teriam algo para descartar, mas 81% deles afirmaram que teriam interesse em participar desse tipo de campanha.

Segundo o prefeito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida, a coleta domiciliar de resíduos eletroeletrônicos já era feita antes da campanha e continuará sendo executada normalmente, por meio da Urbam, mediante agendamento prévio.

"Desde a sua implantação, no início da década de 90, o serviço de coleta seletiva tem sido difundido e aceito pela população de São José. Hoje, esse serviço é feito de porta em porta em 95% do município e, para os demais bairros, onde os caminhões não chegam, existem locais disponíveis, os Ecopontos, para que a população entregue os materiais recicláveis", explicou Almeida.

Com 55 toneladas de lixo reciclado por mês, São José é considerada a quinta cidade do Brasil com maior volume de lixo coletado e reciclado, depois de Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre.

A prefeitura está buscando agora uma alternativa para seu atual aterro sanitário, onde diariamente são despejadas 550 toneladas de lixo. Para encontrar a melhor solução ao aterro, que só tem mais 10 anos de vida útil, a prefeitura lançou, esta semana, o Inova Urbam, um centro de pesquisas aplicadas em resíduos sólidos, que vai desenvolver pesquisas em tecnologias que possam transformar os resíduos em energia ou outras fontes de combustível.

"Por meio de parcerias com instituições de ensino e pesquisa públicas e privadas vamos oferecer alternativas para o Brasil e as cidades transformarem o lixo em algo útil para a população", disse o presidente da Urbam.

O projeto da logística reversa de eletrodomésticos e eletroeletrônicos é uma resposta inicial à Política Nacional de Resíduos Sólidos, que determina o descarte adequado de equipamentos que não têm mais utilidade para a população. O setor de eletroeletrônicos tem até o dia 13 de junho para apresentar ao Ministério do Meio Ambiente seu plano de logística reversa.

Por: Virgínia Silveira | Valor Econômico - 13/05/2013


segunda-feira, 29 de abril de 2013

Transporte desafia a reciclagem de eletroeletrônicos


Entrevista com Alexandre Comin, diretor de competitividade industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

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O maior desafio para implantar a logística reversa de eletroeletrônicos no Brasil será o transporte, avalia Alexandre Comin, diretor de competitividade industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Coordenador do grupo técnico de logística reversa de eletroeletrônicos, Comin detalha nesta entrevista a PÁGINA22 as principais diretrizes que nortearão o acordo setorial que regulará o sistema, previsto para entrar em vigor até o início de 2014. Propostas de acordo serão entregues ao governo até junho pela indústria de eletroeletrônicos.
Quais diretrizes deverão ser contempladas pelo acordo setorial dos eletroeletrônicos?
Destacaria duas diretrizes do edital (de chamamento para a elaboração do acordo setorial para a implantação da logística reversa de produtos eletroeletrônicos e seus componentes, publicado em fevereiro e disponível no link). Uma prevê que cinco anos após a assinatura do acordo, provavelmente em 2018, a logística reversa abarque um volume em peso equivalente a 17% de tudo o que foi vendido no mercado interno em 2012.
Segundo a análise de viabilidade técnica e econômica da logística reversa de eletroeletrônicos, esses cinco anos são o tempo médio entre o produto entrar e sair do mercado. Componentes nobres, como ouro e prata, podem atrair maior interesse das recicladoras e superar a meta de 17%, enquanto a reciclagem de itens de menor valor pode ficar abaixo da meta.
Isso seria um problema para o sistema?
Não há problema. Poderá ser feita a divisão entre os produtos, desde que a soma final permaneça em 17%.
Essa meta de 17% será ampliada progressivamente?
Essa meta é para 2018. E até mesmo o setor privado deverá propor metas intermediárias de caráter indicativo para acompanharmos a evolução do sistema. De qualquer maneira, a política de logística reversa prevê revisões periódicas das metas à luz do que estiver acontecendo. Se percebermos que a meta ficou muito fácil, podemos aumentá-la no meio do caminho.
Qual é o outro destaque do edital?
O início da logística é a recepção do produto, aí interessa ter um grande número de postos de recebimento para que o consumidor não se desloque muito. Até 2018, a logística deverá estar implantada nas cidades com mais de 80 mil habitantes. E prevê-se, nessas cidades, que haja pelo menos um ponto de coleta para cada grupo de 25 mil habitantes. Outra ideia é que os fabricantes e importadores sejam responsáveis por garantir a implantação desses postos de coleta juntamente com o comércio e os distribuidores.
Em uma cidade como São Paulo, haveria 400 postos de coleta, aproximadamente. Quais são os maiores desafios para implementar a logística reversa de eletroeletrônicos?
A área mais crítica será o transporte. Em uma cidade enorme como São Paulo, o transporte de resíduos entre os postos de coleta e as recicladoras percorrerá distâncias relativamente curtas. Quando se começa a olhar para os estados distantes e as cidades médias que estão longe dos grandes centros, o custo médio do transporte aumenta por causa das distâncias.
Será necessário ampliar o parque nacional de recicladoras?
Identificamos 3.000 empresas recicladoras no Brasil todo, mas teremos de aumentar esse número. É o caso dos metais, que podem ser reciclados em qualquer cidade de médio porte. Ainda assim, teremos de ampliar o número dessas processadoras.

E o valor que elas movimentam?

Isso não conseguimos levantar, é um setor muito pouco organizado.
O grupo de eletroeletrônicos tem uma proposta para solucionar o problema da diversidade de legislações estaduais sobre o transporte de resíduos?
Estamos tentando mapear os problemas acarretados pela dessintonia nas leis que regulam o assunto nos estados. Sabemos que eles existem, mas não temos noção precisa de como eles afetam os recicláveis.
O que o governo poderia fazer para diminuir a carga tributária incidente na logística reversa?
O MDIC pilota o GT que está estudando a questão tributária mais de perto, Hoje a logística é muito cara, mas podemos reduzir seus custos simplificando a legislação existente e aliviando a carga de tributos. Também estamos tentando entender por que o crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de resíduos sólidos não ganhou o volume que esperávamos. Vamos propor mudanças na legislação que tornem a medida mais útil para estimular a reciclagem. (Decreto nº 7.619, de 21 de novembro de 2011, regulamentou o incentivo, que concede o crédito total do IPI devido a uma empresa que compra material reciclado).
O estudo de viabilidade técnica e econômica sobre a logística reversa de eletroeletrônicos levou em conta a experiência de países mais avançados na implementação do mecanismo?
O estudo de viabilidade técnica e econômica é o melhor já feito no Brasil sobre reciclagem e uma modelagem do que seria uma logística reversa para resíduos de equipamentos eletroeletrônicos. Ele sugere algumas alternativas para o sistema sob uma visão muito pautada pelas experiências internacionais, particularmente os casos da Europa e do Japão, no sentido de criar um sistema no Brasil que se beneficie do aprendizado das experiências anteriores.
Houve, também, muitas conversas com representantes da indústria e da sociedade civil para definir as diretrizes da logística para os eletroeletrônicos. Como se deu esse processo?
Além do estudo, fizemos discussões durante um ano com os principais interessados no setor, conversando com fabricantes e importadores, distribuidores e varejistas, que são os atores obrigatórios da logística reversa. Mas, também, com alguns atores que se incorporaram voluntariamente ao processo – cooperativas de catadores, pessoal de centros que fazem a recuperação de equipamentos de informática para distribuição na comunidade e o pessoal da indústria de reciclagem. Em maior medida que os outros grupos, nosso grupo de trabalho acolheu a participação do setor de reciclagem, que é um setor importante no Brasil, mas ainda com pouca visibilidade, não tão organizado nacionalmente como a indústria e o comércio.
Também contamos com a participação dos estados e municípios e de vários ministérios, como o da Fazenda, o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o do Meio Ambiente (MMA), que é nosso grande apoio. A partir dessas discussões e das conclusões do estudo, publicamos no dia 13 de fevereiro um edital que estipula um período de 120 dias, até a primeira quinzena de junho para que os atores identificados pela lei 12.305, de agosto de 2010 (que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos) como membros da logística reversa – fabricantes, importadores, distribuidores e varejistas –  apresentem propostas de acordo setorial para a implementação do sistema.
E o consumidor?
O papel deles é devolver os resíduos eletroeletrônicos previamente selecionados em locais adequados. Mas precisam descartar corretamente, embora não haja custo para o procedimento. Devido a seu porte, alguns produtos não têm como o cidadão médio fazer o destino Dessa forma, o estudo defende com clareza dividir os resíduos em duas famílias: resíduos pequenos que o consumidor têm condição de devolver no ponto de coleta, como o telefone celular, e equipamentos de grande porte, basicamente a linha branca (geladeira, freezer, lavadora e lava-louças). E tem uma zona cinzenta sobre o que é pequeno e grande porte, onde estão produtos como microondas, televisores e aparelhos de som  Hoje há televisores que são muito grandes. A sugestão do estudo é que o consumidor leve os de pequeno porte e os de grande porte sejam coletados na casa dele.
E os da zona cinzenta?
A fronteira terá que ser definida mais adiante.
É possível imaginar a criação de um mercado de logística reversa similar ao de carbono como instrumento que facilite o cumprimento das obrigações da PNRS pelas empresas?
Também é possível, embora não tenhamos visto isso na experiência internacional, que é menos fluída, não atingiu esse grau de fungibilidade que o mercado de carbono alcançou – o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo de Kyoto (MDL) e similares são mecanismos de grande fungibilidade (que significa a troca de uma coisa pela outra; os créditos de carbono do MDL, por exemplo, podem ser usados pela indústria no lugar das licenças de emissão – mais caras – para o cumprimento das metas de corte nas emissões de gases-estufa da Europa).
Os resíduos não se consolidaram como commodities no mercado internacional?
Não é a experiência de nenhum país para ser franco.
Como eles fazem?
Há mais de uma solução. Uma delas é exigir do fabricante que recolha algum percentual do que ele vendeu. Em alguns casos, como no Japão, o percentural é maior que os 17% estabelecidos pelo nosso edital.
Há medidas em análise para atrair investimentos em recicladoras de resíduos hoje exportados?
Imaginamos, por exemplo, que deixaremos de exportar placas de circuito impresso descartadas se conseguirmos fazer sua reciclagem. Elas são o top do negócio dos sistemas de logística reversa. A placa de circuito impresso é a forma predominante de montagem de componentes eletrônicos – as placas verdes que têm no computador, até em máquina de lavar e no automóvel.
Atualmente, reciclam-se no Brasil várias coisas, metal, plástico, até o vidro em certa medida você recicla. Mas exportarmos a placa porque não temos condições de reciclá-la, e dentro da placa tem ouro, prata, platina, metais de alto valor agregado. Poucas empresas no mundo têm tecnologia para  processar a placa, que é uma tecnologia complexa para separar esses materiais. Um grande esforço que o MDIC está fazendo em parceria com outros ministérios, particularmente o MCTI, é o de atrair uma planta especializada nesse processamento para o País.
Para muitas coisas importantes teremos poucas plantas de reciclagem. Para geladeira, atualmente temos uma que faz a reciclagem correta. Ela fica em Cabreúva (a 80 km da capital paulista). Não teremos uma em cada estado, não serão muitas.
A falta de estatísticas sobre resíduos prejudica a gestão da PNRS. O País aprimorará suas bases de dados sobre o assunto à medida que os acordos setoriais de logística reversa saírem do papel?
Onde tem estatística econômica, existe legalização, formalização, porque  aí o IBGE consegue medir as coisas que têm nota fiscal. O Ministério do Trabalho, por exemplo, consegue medir onde tem emprego das pessoas que têm carteira de trabalho. Como um dos grandes objetivos da PNRS é legalizar, formalizar as atividades de reciclagem que em alguma medida são informais, necessariamente vamos melhorar muito a qualidade de nossas estatísticas.
Como o item transporte é um ponto crítico, vocês estão conversando com o Ministério do Transporte no sentido de sintonizar políticas de ferrovia, hidrovia e reduzir o custo Brasil também para a reciclagem?
Estamos fazendo algo paralelo a isso. O transporte de resíduos não envolve um desafio muito grande, a gente pretende que eles não sejam considerados resíduos perigosos. Os eletroeletrônicos não podem ficar no tempo, correm risco de deteriorar e vazar. Precisam ficar guardados num galpão fechado, abrigados da chuva e do sol, transportado em um caminhão fechado, caminhão baú, esse é o entendimento predominante, a Cetesb reconheceu isso recentemente, queremos que isso seja reconhecido também no plano nacional.

Por José Alberto Gonçalves Pereira - Edição nº 73 - Revista Página 22
Site da Revista: http://www.pagina22.com.br/index.php/category/revista/73/

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Reaproveitamento de resíduos eletrônicos nos processos do centro de recondicionamento de computadores do centro social marista (CRC-Cesmar)


RESUMO

Com o avanço tecnológico crescente, a cada semana coloca-se no mercado uma infinidade de novidades em aparelhos eletrônicos, o que vem causando a obsolescência destes equipamentos de forma rápida e em uma quantidade cada vez maior. Ações que possam receber estes descartes de forma correta são de grande valor para a sociedade, tanto na forma correta de recolhimento como também no reaproveitamento de matérias-primas, que podem ser reutilizadas nos processos de produção das empresas ou em novos projetos. O objetivo deste estudo é observar, através de uma pesquisa bibliográfica, como está a situação dos resíduos eletrônicos no Brasil e suas possibilidades de reaproveitamento para gerar emprego e renda. Foi utilizado como base o projeto de reaproveitamento de resíduos do Centro de Recondicionamento de Computadores do Centro Social Marista (CRC-Cesmar) em Porto Alegre.

Palavras-chave: Lixo eletrônico. Reaproveitamento. Reciclagem. Logística Reversa.
Artigo científico de Emerson de Fraga Freitas, apresentado ao curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão Estratégica de Negócios da Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia da PUCRS, como requisito parcial à obtenção do título de especialista.

*** Para conferir o artigo na integra: Clique aqui

domingo, 4 de novembro de 2012

Com usina em Sorocaba, País fechará elo da reciclagem de eletrônicos

Atualmente, o processamento dos metais é feito no exterior; Brasil produz anualmente quase 100 mil toneladas de lixo eletrônico

No primeiro semestre de 2013, a cidade de Sorocaba, em São Paulo, deve receber a primeira usina do País a realizar o último elo da reciclagem de eletroeletrônicos - o processamento dos metais, que atualmente é feito no exterior. Além de abrir caminho para a exploração da chamada mineração urbana, o projeto Sinctronics promete facilitar a reinserção na cadeia de consumo das quase 100 mil toneladas de lixo eletrônico anuais produzidos no País.

Atualmente, quase todo o metal presente nesses resíduos é descartado incorretamente com os aparelhos ou acaba exportado para países como Bélgica, Grã-Bretanha e Alemanha, que dispõem de tecnologia avançada para fazer o processamento.
"O Sinctronics será o primeiro ecossistema integrado de soluções sustentáveis para o mercado eletroeletrônico no Brasil, atendendo a uma cadeia produtiva de ponta a ponta", diz Kami Saidi, diretor de operações e líder do Programa Integrado de Sustentabilidade da HP, cliente e parceira do projeto. A parte tecnológica fica a cargo da Flextronics, gigante de Cingapura do ramo de eletrônicos que possui fábrica em Manaus.
Segundo Saidi, inicialmente será possível fazer a reciclagem de 250 toneladas por mês de plástico - que representa 45% dos aparelhos celulares, um dos eletrônicos mais abundantes (quase 250 milhões de unidades no País) e de vida útil mais reduzida (22 meses, em média).
A novidade, no entanto, será mesmo a extração dos metais, cujo potencial não é revelado. De olho no alto valor dos minérios, as empresas envolvidas esperam lucrar com o lixo eletrônico. Estima-se que para cada tonelada seja possível extrair entre 200g e 300g de ouro (veja infográfico). Outros metais menos nobres, como o cobre, o bronze, o alumínio e o ferro, retornariam à cadeia produtiva.
"Em Sorocaba será possível reciclar todos os tipos e quaisquer marcas de eletrônicos", diz Saidi. "O produto que será mais reciclado dependerá da demanda de devolução do mercado."
Além da Flextronics, a Cimelia, outra empresa com sede em Cingapura, cogita fazer a extração de metais em território brasileiro. Atualmente, ela exporta até 400 toneladas de lixo eletrônico por mês para serem processadas no país asiático.
Estímulo. Empresas e entidades ligadas ao setor de eletrônicos esperam que iniciativas como essa tragam incrementos a toda a cadeia de reciclagem de eletrônicos, cujo maior problema é a falta de um ciclo constante - segundo dados divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente, cerca de 500 milhões de aparelhos sem uso no País estão guardados em residências.
A necessidade de exportar as partes metálicas para outros países apenas dificulta o processo. "Está faltando no País o fechamento do ciclo, pois ainda é muito caro para as empresas reciclarem", afirma Roberto Lucena, dono da Eco-Cel, especializada na coleta de celulares usados e encaminhamento para destinação adequada.
Com 400 urnas espalhadas em locais de grande circulação, como shoppings, farmácias e academias da cidade de São Paulo, a empresa de Lucena faz a coleta a cada 30 ou 35 dias e recolhe até 3 mil aparelhos por mês.
A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), que há um ano lançou na capital um projeto permanente com oito pontos de descarte de lixo eletrônico, afirma que é preciso multiplicar esses locais.
"Há poucos pontos de descarte, e eles não abrangem toda a cidade. Ninguém fica rodando a cidade com lixo no porta-malas em busca de um local", diz o diretor executivo da Abrelpe, Carlos Silva Filho. Segundo ele, a entidade planejar ampliar para 30 os pontos de descarte até o fim de 2013.
BRUNO DEIRO - O Estado de S.Paulo - 28 de outubro de 2012 | 3h 07

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Gestão de resíduos sólidos, um desafio para os novos prefeitos


Terminada a última etapa das eleições municipais, é chegada a hora de os novos prefeitos interromperem as comemorações e começar a agir para atender as expectativas de seus eleitores. Entre os inúmeros desafios que estarão à frente da administração das cerca de 5.600 cidades brasileiras está a gestão dos resíduos. Como veremos mais à frente são poucos os municípios que encaram esse problema com a urgência e relevância que o assunto faz por merecer.

Ninguém é capaz de negar a importância de termos uma gestão mais correta e eficiente dos resíduos como a estabelecida na proposta da Política Nacional de Resíduos Sólidos- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm. Também é muito difícil desconsiderar os enormes obstáculos para se conseguir a sua efetiva implementação.

Para começo de conversa com a nova Lei de Resíduos Sólidos, o lixo deixa de ser lixo para virar resíduo. E, esse tal resíduo, deverá ter um destino muito mais nobre que o pobre lixo jogado por aí, sem qualquer serventia. Resíduo é material valioso para ser usado novamente na cadeia produtiva, pronto para ser reaproveitado, reutilizado, reciclado e não mais descartado. Do plebeu lixo para o nobre resíduo. Do imprestável para se transformar em insumo essencial.

Sabe aquele catador de lixo, em sua maioria, subempregado e trabalhando em condições no mínimo pouco favoráveis? Pois esses profissionais irão receber o valor que merecem quando a lei estiver plenamente em vigor. Eles serão reconhecidos pelo serviço essencial que exercem para toda a sociedade e para a manutenção de um meio ambiente mais saudável.

A lei também determina, como uma de suas premissas mais importantes, a responsabilidade compartilhada, ou seja, será preciso a participação de todos para o alcance de seus objetivos. Setores público e privado, sociedade civil, cidadãos e como citado acima, dos catadores de material reciclável (notem que não mais os chamamos de catadores de lixo) necessariamente vão ter de fazer parte da mesma equação. Dependerá dessa união o sucesso ou o fracasso da lei.

Portanto, no bojo da Política de Resíduos Sólidos, estão propostas pequenas e virtuosas revoluções capazes de trazer enormes quebras de paradigma e grandes alterações no comportamento social.

Obviamente, se existem tantas novas situações por assim dizer, não se devem imaginar facilidades na sua efetiva implantação em qualquer área.

Despreparo nos municípios

Hora de falarmos novamente nas Prefeituras e de seus novos ocupantes ou daqueles reeleitos para um novo mandato.

A lei previa para o começo de agosto deste ano a entrega, por todos os municípios do país, de seus planos de gestão de resíduos. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), por volta de 560 municípios, ou 10% do total das cidades brasileiras, concluíram e entregaram esses planos. Os municípios que perderam o prazo não terão direito a receber recursos federais e renovar novos contratos com a esfera federal para o setor. Essa questão ficou, portanto, para as novas administrações.

A baixa adesão das cidades pode parecer simples descaso, mas conforme pesquisa da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) com cerca de 400 municípios, o problema se deve muito à falta de pessoal qualificado para atender aos requisitos previstos na lei. Afinal, para quem achava que para cuidar do lixo bastava um terreno grande para o seu envio e descarte, a lei veio para colocar ordem e mudar um cenário cada vez mais criminoso e urgente. O lançamento indiscriminado de materiais perigosos e contaminantes sem cuidado ou tratamento compromete o futuro e a saúde das pessoas, entre os seus principais e nefastos resultados.

O fim dos lixões até 2014 em todas as cidades brasileiras, será uma tarefa com enormes dificuldades em se tornar realidade, se a maioria das cidades permanecerem distantes dessa discussão. No lugar dos lixões, os resíduos só poderão ser enviados para aterros sanitários. Mas a realidade atual, segundo o Ministério do Meio Ambiente, é a de que ainda existem mais de 3 mil lixões no Brasil sendo que nada menos de que 60% dos municípios do país despejam lá seus resíduos.

A união faz a força

Em recente workshop realizado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), no Rio de Janeiro, diversos especialistas apontaram a necessidade de se unirem esforços entre o setor privado e os municípios para que a lei alcance os efeitos desejados. Capacitar gestores, realizar um trabalho integrado de educação e conscientização ambiental, garantir incentivos fiscais e justiça tributária para a cadeia de recicláveis são algumas das tarefas a serem trabalhadas em conjunto. Nesse último item, Mauricio Sellos, coordenador do Programa Jogue Limpo que realiza a logística reversa na cadeia de lubrificantes, apontou durante o workshop carioca, o apoio à indústria de reciclagem como urgente e fundamental. “São necessários incentivos fiscais para a cadeia, para quem faz a logística, para quem recicla e para quem consome o material reciclável, do contrário, poderemos ter um volume grande de material reciclado, mas não ter sua utilização” afirmou Mauricio.

Para as cidades médias e pequenas, os especialistas apontam a formação de consórcios como um bom caminho para a gestão dos resíduos. Assim, as administrações municipais podem unir esforços para a montagem de seus planos, reduzem seus custos, aumentam a escala na coleta de resíduos e garantem melhores contratos com as empresas do setor, entre outros benefícios.

Camilla Passarela Bortoletto, da Abrelpe, apontou que um dos maiores gargalos na gestão de resíduos é o conhecimento técnico sobre o assunto. A ausência de cultura de separação é outro fator complicador na gestão de resíduos.

O Brasil produz 220 mil toneladas de lixo domiciliar, o que representa mais de um quilo por pessoa. Ao menos 90% de todo esse material poderia ser reaproveitado, reutilizado ou reciclado. Apenas 1% acaba sendo aproveitado para ter um destino mais nobre do que o de se degradar e contaminar o nosso ambiente. Mesmo assim, mais de um milhão de pessoas trabalham e sobrevivem da reciclagem desse lixo. Os especialistas calculam que o Brasil deixa de ganhar ao menos R$ 8 bilhões por ano ao não reciclar toda essa grande quantidade de resíduos gerados no país.

E o lixo continua a aumentar

De acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, divulgado pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a quantidade de resíduos sólidos gerados no Brasil em 2011 totalizou 61,9 milhões de toneladas, 1,8% a mais do que no ano anterior. Do total coletado, 42% do lixo acabaram em local inadequado.

O crescimento na “produção” desses resíduos de 2010 para 2011 foi duas vezes maior do que o aumento da população, que ficou em torno de 0,9% no período.

O estudo revela também que, em 2011, foram coletados 55,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos. Sendo que 42% desses resíduos foram parar em locais inadequados como lixões e aterros controlados. E, ainda pior, cerca de 10% de tudo o que é gerado acaba tendo destino ainda pior em terrenos baldios, córregos, lagos e praças.

Uma política para chamar de nossa

A PNRS talvez seja uma das primeiras iniciativas que finalmente, enxerguem o mundo como ele é, ou seja, redondo e finito! Afinal como podemos viver e consumir imaginando que tudo, matérias-primas renováveis ou não, possam ser utilizadas sem qualquer controle ou parcimônia, e depois “jogadas fora”! Apesar de óbvios, foi preciso surgir situações críticas na capacidade de armazenar lixo; casos gritantes de contaminação de solo e água e a ocorrência de sérios problemas de saúde pública. Isso tudo acompanhado de estudos apontando a redução substancial e mesmo o esgotamento de reservas de matérias-primas estratégicas, para concluirmos que esse estado de coisas não poderia continuar do jeito que estava.

As cidades, as pessoas e o futuro comum

Toda a sociedade, mas às administrações públicas particularmente, caberá também a tarefa de levar as informações sobre a lei de resíduos para todos os seus cidadãos.

Hoje, se os setores público e privado avançam vagarosamente no conhecimento e na aplicação da lei, o mais grave em todo esse processo está no desconhecimento dos brasileiros quanto à discussão dessa nova e revolucionária política. Sem a participação do consumidor essa equação não fecha! O cidadão é parte integrante e determinante para a viabilização de todo o projeto.

É, portanto, fundamental que as novas prefeituras façam todos os esforços a seu alcance para levar às pessoas, informações sobre os objetivos da nova política e os deveres e direitos nela embutidos.

O poder público pode e deve contribuir, por meio da autoridade que lhe foi investida pela população, para promover parcerias com todos os setores da sociedade na implantação de projetos de educação ambiental em escolas e empresas, acompanhadas de campanhas de esclarecimento, com o apoio e o engajamento vital da mídia local. Tais ações vão contribuir substancialmente para reduzir o abismo informativo entre a lei e a população brasileira.

Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental.


Fonte: Carta Capital - 31/10/2012