terça-feira, 15 de junho de 2010

O tiro sai pela culatra - Código Florestal Brasileiro (CFB)

A pressão para atualizar o Código Florestal Brasileiro (CFB) aflorou nos últimos dois anos, fomentada especialmente por parlamentares ligados aoagronegócio. Tal como outros intentos governamentais que atritam com a área ambiental, imprime-se a esse projeto caráter de necessidade quaseemergencial.

A pretendida reforma deveria remover o estrangulamento para a expansão de terras agrícolas, hoje supostamente bloqueada pela combinação de áreas depreservação permanente (APP) e reservas legais (RL). Só que esse bloqueio não existe.

A suposta escassez de terras agricultáveis não resiste a estudo mais criterioso, como o recentemente coordenado pelo professor Gerd Sparovek, da Escola Superior de Agricultura da USP (Esalq).

Realocando para cultivo agrícola terras com melhor aptidão, hoje ocupadas com pecuária de baixa produtividade, e aumentando a eficiência da pecuárianas demais, por meio de técnicas já bem conhecidas, a área cultivada no Brasil poderá ser quase dobrada, sem avançar um hectare sequer sobre avegetação natural.

A reforma também pretende retirar da ilegalidade muitas propriedades que não mantêm as APP e RL estipuladas. Para isso, pensa-se em fundir as APP com as RL e flexibilizar o uso destas últimas.

No entanto, as APP e as RL são áreas que exercem papel complementar na conservação das paisagens rurais e não deveriam ser tratadas comoequivalentes. Ademais, o uso de RL com espécies exóticas representa uma completa descaracteriz ação dessas áreas.

Sob a desculpa de proteger as pequenas propriedades, as APP e RL serão colapsadas, reduzidas e drasticamente transformadas, levando a amplosdesmatamentos e perda de áreas protegidas, que não se destinam apenas a conservar espécies e a promover o uso sustentável de recursos naturais.

Elas asseguram uma gama de serviços ambientais indispensáveis à qualidade de vida humana e à própria qualidade e produtividade agrícola. Da proteçãodessas áreas dependem a regulação de cursos de água, o controle da erosão, a polinização de diversas plantas cultivadas, o controle de pragas, osequestro do carbono atmosférico e muitos serviços mais.

Qual a participação da comunidade científica competente na formulação dessas alterações? Quase nula. Há muitos grupos científicos pesquisando ativamente a conservação e restauração da biodiversidade e o desenvolv imento de metodologias que permitam a produção agrícola com a efetiva preservação do ambiente.

Nem os pesquisadores mais reconhecidos dessas áreas nem as sociedades científicas relevantes foram ouvidos. Os parlamentares decidiram quem são oscientistas que merecem atenção e desqualificaram ou ignoraram todos os demais.

Passado quase meio século de intensas transformações, é necessário atualizar o CFB, facilitar a produção agrícola em pequenas propriedades, mas sem deixar de fortalecê-lo nos objetivos essenciais.

Se esses objetivos forem soterrados, haverá sérias consequências para o próprio agronegócio, porque não apenas se comprometerá os serviçosambientais, mas o mero cumprimento formal de legislação ambiental inócua não irá assegurar certificação ambiental respeitada.E quem duvida de que tal certificação será cada vez mais exigida para comercializar qualquer commodity brasileira?É hora de os agroparlamentares e demais envolvidos compreenderem que as demandas ambientais representam componentes indispensáveis da boaagricultura, bem como da melhor qualidade de vida.
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THOMAS LEWINSOHN é prof. da Unicamp e presidente da Assoc. Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação.
JEAN PAUL METZGER é prof. da USP, onde coordena o Laboratório de Ecologia de Paisagens.
CARLOS JOLY é prof. titular da Unicamp e coordenador do Prog. Biota-Fapesp.
RICARDO RODRIGUES é professor titular da Esalq-USP, onde coordena o Laboratório de Restauração.