Em seu mais recente livro "Cuidar da Terra, Proteger a Vida", Leonardo Boff assevera que: "Em 1961, precisávamos de metade da Terra para atender às demandas humanas. Em 1981, empatávamos: precisávamos de uma Terra inteira. Em 1995 ultrapassamos em 10% sua capacidade de reposição, mas era ainda suportável".
No entanto, os alarmes disparados continuaram anunciando a expansiva agressão sofrida pela Terra. O calendário marcava o dia 23 de setembro de 2008 vaticinado pelos estudiosos como o Earth Overshoot Day, ou seja, o dia da ultrapassagem da Terra. A partir dessa data constatou-se, em escala universal, que a Terra ultrapassou em 30% sua capacidade de suporte e reposição.
A partir disso, o que pensar, o que fazer? Continuar de forma desenfreada a exploração/dilapidação dos recursos naturais sem limites ou fazer a reversão de forma rápida? Continuar priorizando o mercado que exige mercadorias diversificadas a todo instante ou olhar com respeito e atenção redobrada para a qualidade de vida? Continuar com a prédica traçada desde os trabalhos seminais das ciências econômicas que pontuam que crescimento econômico é remédio eficaz para a cura dos males sociais ou fazer com que essa mesma ciência esteja submetida ao projeto de vida, cuja essência é a qualidade e não a quantidade?
Respostas a essas dúvidas estão soltas por aí, embora haja mais dissenso que consenso em matéria de se pensar a intrincada relação economia - natureza -recursos - desejos - produção - consumo.
Eric Hobsbawn, um dos maiores intelectuais do século XXI, a esse respeito já se posicionou: "Ou ingressamos num outro paradigma ou vamos de encontro à escuridão". Por outro paradigma, o renomado historiador quer dizer que não basta fazer mudanças no sistema, é preciso mudar o sistema.
Destruir a natureza em troca dos apelos da voracidade do mercado de consumo é, antes disso, destruir as teias que sustentam a vida. O mercado, assim como toda a economia, depende de algo que está acima de tudo isso: a natureza. A economia, como atividade produtiva, é apenas um subproduto do ambiente natural e depende escandalosamente dos mais variados recursos que a natureza emana. Nós, seres humanos, como todos os seres vivos, somos partes e não o todo desse ambiente natural que contempla a riqueza do viver.
É forçoso ressaltar que não estamos na Terra; somos a Terra. Não ocupamos a natureza como meros partícipes dela; somos a própria natureza a partir do fato de sermos feitos de poeira estelar. Dependemos da natureza, das terras agricultáveis, da água, do ar, do sol, da chuva, do fitoplâncton (algas microscópicas unicelulares) e dependemos das estrelas. Isso não é prosa nem verso; é fato! São as estrelas, com uma capacidade ímpar de brilhar e, por isso, com o poder de nos afastar o medo da noite, que convertem hidrogênio em hélio pela fusão nuclear e, dessa combinação, permite-se aflorar o potássio, o oxigênio, o carbono, o ferro que vão se localizar nos aminoácidos (unidades químicas que compõem as proteínas) e nas proteínas (que formam os músculos, os ligamentos, os tendões, as glândulas, enfim, que permitem o crescimento ósseo). Sem isso a vida não seria possível. Somos natureza ainda por razões filológicas (estudo científico de uma língua). Não por acaso, somos originários do Adão bíblico (Adam, em hebraico, significa "Filho da Terra"), ainda que isso seja puramente metafórico. Somos natureza quando nos damos conta ainda de que pelo aspecto filológico a palavra homem/humano vem de "húmus", cujo significado é "terra fértil".
Cada vez que percebemos avançar esses assuntos, mais ainda vamos aprofundando a importância do tema. As preocupações ecológicas, vistas num passado não muito distante como apenas retóricas românticas, hoje, para nossa felicidade, ocupam a agenda das principais lideranças governamentais.
Em certa medida, parece ser consenso que estamos falando de uma perspectiva que envolve, na essência, a manutenção da vida pelos íntimos laços que temos para com a mãe Terra, também chamada Gaia.
Isso é do interesse de todos e de todas, e não mais dos praticantes da militância verde - os primeiros a chamar a atenção para esses graves assuntos.
Nesse pormenor, é oportuno resgatarmos a argumentação do educador canadense Herbert M. McLuhan (1911-1980): "Na espaçonave Terra não há passageiros. Todos somos tripulantes".
A economia, sendo um espaço de conhecimento das ciências humanas, não pode prescindir de ajudar na disseminação de um discurso em prol da vida, e não a favor do deus mercado como tem sido freqüente desde o surgimento da Escola Clássica no século XVIII.
Discutir desenvolvimento pelas lentes das ciências econômicas é, antes de mais nada, pensar em aspectos qualitativos, e não na atual dimensão econômica dos projetos que apontam, unicamente, para o aspecto quantitativo. Perceber a economia apenas pela quantidade de coisas produzidas é um erro abissal que somente tem feito provocar ainda mais a cultura do desperdício e da falta de parcimônia em matéria de regular a atividade produtiva, ao passo que aprofunda o consumismo, essa chaga do sistema capitalista.
Ainda hoje, mesmo diante dos mais contundentes e acirrados discursos sobre a grave crise ambiental que se estabelece, apresenta-se como sendo uma boa política econômica aquela capaz de fazer o PIB subir, independente se esse crescimento se dará nas bases da exploração/destruição ambiental.
Esquecem ou ignoram os apedeutas que tudo que cresce muito, ou explode ou esparrama. Explodir, esparramar, significa, grosso modo, perdas, desperdícios. Crescer por crescer é a base das células cancerígenas. A economia não pode mais trilhar esse caminho. Isso leva à morte. Ora, isso não é solidificável; é altamente destrutível. O caminho de qualquer economia que apenas prioriza e faz de tudo para atender aos ditames do mercado que clama por mais produção e consumo, atingindo picos de crescimentos inimagináveis, é por todos conhecido: destruição, desmatamento, poluição, escassez, extinção das espécies.
É em nome desse modelo perverso e criminalmente responsável por mortes que o mercado é abastecido enquanto a natureza é descapitalizada, ao passo que a vida é posta em risco. Uma hora qualquer - e que não seja tarde demais - alguém irá perceber que as palavras do cacique Seatlle ditas ao governante norte-americano em 1854 estavam pontualmente certas: "(...) Eles vão perceber que não dá para comer dinheiro".
Para o bem de todos é necessário aludir que não se pode medir crescimento de uma economia quando se derruba uma árvore, se polui um rio, se contamina uma nascente. Isso tem outro nome: insanidade.
Não há economia que prospere sustentavelmente nas bases dessa patologia. Para atenuar esse discurso, os economistas modernos criaram a expressão desenvolvimento sustentável. No entanto, não são poucos os que cometem outro equívoco na vã esperança de que essa palavra mágica (sustentável) seja de fato algo aplicável.
Todavia, resta-nos indagar: sustentável para quem? Como? Quando? Onde? A continuar a exploração desenfreada, não é possível sustentar esse crescimento. Logo, a expressão é, por si, falaciosa. Num projeto de desenvolvimento que se pauta pelas linhas mestras da competição, não é factível que seja algo sustentável, uma vez que essa competição, feita pelos mecanismos conhecidos, apenas produz exclusão à medida que uns poucos ganham e triunfam sobre a derrota de centenas de milhões de pessoas.
Se milhares são (e serão cada vez mais) os que engrossam (e vão engrossar) as fileiras da miséria e da penúria, como é possível afirmar se tratar de desenvolvimento sustentável? Só há sustentabilidade quando todos/todas participam, sem exclusão. Exclusão é conceito que não combina com a abrangência do termo sustentabilidade.
Ademais, argumenta-se, insistentemente, que o desenvolvimento sustentável é exeqüível, pois, um belo dia, a natureza irá responder pelas demandas dos recursos renováveis. Esquecem-se os que assim argumentam que o universo é finito; não aumentará de tamanho. Os recursos, muitos deles, vão acabar; muitos não são renováveis.
Assim, uma vez mais é oportuno chamar a atenção de que o termo "sustentável" é pouco confiável. L. Boff refletindo sobre isso no livro citado no início dessas palavras pondera que "(...) sustentabilidade deve ser garantida, primeiramente, à Terra, à humanidade como um todo, à sociedade e a cada pessoa". A economia (ciência) em seus poucos mais de 230 anos precisará avançar muito ainda para englobar com primazia esse termo em seus predicados. Exclusivamente pelas raias da competição nada se conseguirá.
De toda sorte, a escala de valores que deve predominar então, caso queiramos priorizar a vida, deve incluir a cooperação, a partilha, a solidariedade, a comunhão, o compartilhamento. Definitivamente, o projeto econômico precisa estar à serviço da vida em suas dimensões, incluindo, principalmente, a perspectiva ecológica. Urge pensarmos na perspectiva de que o modelo aí posto está errado e já passou da hora de propor alternativa. A vida tem pressa e o relógio do tempo passa rápido demais.
Por Marcus Eduardo de Oliveira, para a Adital, Economista brasileiro, especialista em Política Internacional. Articulista do site "O Economista", do Portal EcoDebate e da Agência Zwela de Notícias (Angola)
(Envolverde/Adital)
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domingo, 28 de novembro de 2010
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
A saúde do planeta
Documento muito esperado entre estudiosos do meio ambiente e que se publica a cada dois anos é o relatório Planeta Vivo, do WWF 2010. Sua versão de 2010 acaba de sair em várias línguas, inclusive português (ótima tradução). O texto consiste em importante contribuição para que se conheça a saúde do planeta. Ele emprega conceitos como o da pegada ecológica, que mostra a medida da pressão humana sobre a natureza e sobre sua capacidade regenerativa (“biocapacidade”). O conceito da pegada ecológica surgiu no início dos anos 1990 na Universidade de British Columbia, Canadá. Evoluiu até sua forma atual graças à ONG Global Footprint Network, parceira do WWF, junto com a Sociedade Zoológica de Londres, na preparação do Planeta Vivo Relatório 2010. A principal conclusão do trabalho é de que os indicadores empregados “demonstram claramente que o aumento sem precedentes da busca por riqueza e bem-estar nos últimos 40 anos está exercendo pressões insustentáveis sobre o nosso planeta”. Registra-se um declínio na saúde das espécies que formam a base dos serviços ambientais necessários a tudo o que os humanos podem fazer. De fato, a pegada ecológica global indica que as demandas humanas de recursos naturais dobraram desde os anos 1960, enquanto o índice da vitalidade da Terra caiu de 30%. O pior é que, devido ao comércio internacional, os índices relativos aos países tropicais e aos países mais pobres do mundo sofreram queda ainda maior: de 60% desde 1970.
O que acontece é que a economia não paira no vácuo. Ela se assenta em alicerces biofísicos. Decorre daí a capacidade de carga, equivalente ao “calado” de um navio, que a Terra pode suportar. É assim que se deve entender a noção de sustentabilidade. A economia não pode fingir que não depende de leis físicas, se o que ela faz é transformar recursos em artefatos úteis (que depois se degradam e viram lixo, inexoravelmente). Dessa forma, os limites do ecossistema planetário são testados, coisa de que fala a WWF. Retira-se do planeta, hoje, mais do que ele pode dar em cada período. Em 2007, por exemplo, a sobrecarga imposta pelas atividades humanas foi 50% maior que a capacidade regenerativa do planeta. Cria-se assim uma economia de bolha, pura ilusão. O fenômeno se retrata em termos do que a aceleração do crescimento faz no tocante à demanda de alimentos, bebidas, energia, transportes, produtos eletrônicos, espaços de vida e de descarte de resíduos, como o dióxido de carbono derivado da queima de combustíveis fósseis. O Brasil cresce atualmente de 8% ao ano – dizem. Terá então em 2020 uma economia 4,7 vezes maior do que a atual: haverá cinco vezes mais carros nas ruas (ou mais até), cinco vezes mais consumo nos shopping centers, em cada momento, etc. Não é, certamente, um cenário luminoso.
Convém lembrar que o que interessa à sociedade é elevar a qualidade de vida desta e das futuras gerações. Crescer por crescer é a filosofia da célula cancerosa. Elevar a qualidade de vida significa menos violência e insegurança, menos doenças e cidades medíocres. Significa comer bem (não fast food, junk food, comida-lixo, mas comida decente, gostosa, que junte as pessoas). Significa mais alegria de viver, segurança, emprego, habitação; mais justiça, mais (e melhor) educação, mais paisagens belas, confraternização, solidariedade, paz; mais liberdade, mais cidadania; mais horas de lazer (menos horas perdidas). Significa mais amor (alguma dúvida?). Ou seja: máximo de felicidade com mínimo impacto ecológico e ético. Esse é o verdadeiro desenvolvimento que se busca. O que nós vemos, como mostra o WWF, é enganoso. Daí, a preocupação dos ambientalistas quanto à eleição de Marina Silva, cujo programa de governo, Agenda por um Brasil Justo e Sustentável, falava exatamente disso.
Clóvis Cavalcanti, Economista ecológico e pesquisador social.
E-mail: clovis.cavalcanti@yahoo.com.br
O que acontece é que a economia não paira no vácuo. Ela se assenta em alicerces biofísicos. Decorre daí a capacidade de carga, equivalente ao “calado” de um navio, que a Terra pode suportar. É assim que se deve entender a noção de sustentabilidade. A economia não pode fingir que não depende de leis físicas, se o que ela faz é transformar recursos em artefatos úteis (que depois se degradam e viram lixo, inexoravelmente). Dessa forma, os limites do ecossistema planetário são testados, coisa de que fala a WWF. Retira-se do planeta, hoje, mais do que ele pode dar em cada período. Em 2007, por exemplo, a sobrecarga imposta pelas atividades humanas foi 50% maior que a capacidade regenerativa do planeta. Cria-se assim uma economia de bolha, pura ilusão. O fenômeno se retrata em termos do que a aceleração do crescimento faz no tocante à demanda de alimentos, bebidas, energia, transportes, produtos eletrônicos, espaços de vida e de descarte de resíduos, como o dióxido de carbono derivado da queima de combustíveis fósseis. O Brasil cresce atualmente de 8% ao ano – dizem. Terá então em 2020 uma economia 4,7 vezes maior do que a atual: haverá cinco vezes mais carros nas ruas (ou mais até), cinco vezes mais consumo nos shopping centers, em cada momento, etc. Não é, certamente, um cenário luminoso.
Convém lembrar que o que interessa à sociedade é elevar a qualidade de vida desta e das futuras gerações. Crescer por crescer é a filosofia da célula cancerosa. Elevar a qualidade de vida significa menos violência e insegurança, menos doenças e cidades medíocres. Significa comer bem (não fast food, junk food, comida-lixo, mas comida decente, gostosa, que junte as pessoas). Significa mais alegria de viver, segurança, emprego, habitação; mais justiça, mais (e melhor) educação, mais paisagens belas, confraternização, solidariedade, paz; mais liberdade, mais cidadania; mais horas de lazer (menos horas perdidas). Significa mais amor (alguma dúvida?). Ou seja: máximo de felicidade com mínimo impacto ecológico e ético. Esse é o verdadeiro desenvolvimento que se busca. O que nós vemos, como mostra o WWF, é enganoso. Daí, a preocupação dos ambientalistas quanto à eleição de Marina Silva, cujo programa de governo, Agenda por um Brasil Justo e Sustentável, falava exatamente disso.
Clóvis Cavalcanti, Economista ecológico e pesquisador social.
E-mail: clovis.cavalcanti@yahoo.com.br
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