Por Julio Godoy, da IPS - Copenhague, 27/10/2009
Existe consenso de que a responsabilidade maior pelas emissões de gases que provocam aquecimento global recai sobre os países industriais. Que dessa responsabilidade derivam consequências políticas, deveria também ser inequívoco. Mas, não é assim. Um exemplo: os governos do país que por muito tempo foi o principal emissor de gás-estufa, os Estados Unidos, negaram-se quase desde o início das negociações internacionais a cumprir obrigações válidas para as demais nações industriais.
Em 1999, o Senado norte-americano negou-se a ratificar o Protocolo de Kyoto, adotado em 1997 para regular as reduções das emissões de gás-estufa dos países industrializados até 2012. A negativa foi oficializada pelo presidente Geroge W. Bush em 2001, que repudiou o Protocolo e dele retirou a assinatura que seu antecessor, Bill Clinton (1993-2001), havia colocado.
Ao seu tempo, Legislativo e Executivo dos Estados Unidos empregaram dois argumentos contra o Protocolo de Kyoto. O primeiro: a redução substancial de emissões de dióxido de carbono e de outros gases de efeito estufa prejudicaria a competitividade industrial desse país. O segundo: nações do mundo pobre com altas taxas de crescimento econômico, como Brasil, China e Índia, deveriam ser parte do Anexo I do Protocolo de Kyoto e estarem obrigados a reduzir suas emissões, com independência dos custos que tal redução representaria para seu desenvolvimento.
Esta negativa dos Estados Unidos – e de outros países industriais, como a Austrália – em admitir sua responsabilidade na criação das condições propícias para a mudança climática, continua bloqueando as negociações para alcançar um novo esquema de compromisso para depois de 2012, que se espera conclua em dezembro em uma conferência internacional que acontecerá em Copenhague. Funcionários de organismos internacionais, cientistas e inclusive executivos de multinacionais concordam em prognosticar que, devido às posições de Washington e nações como Índia e China, na capital da Dinamarca não será ratificado um novo tratado contra a mudança climática.
Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, afirmou na semana passada que a reunião de Copenhague não produzirá “um novo tratado internacional completo”. De Boer recordou que os negociadores internacionais dispõem de poucos dias para conseguir um acordo. “Esta alta de tempo nos obriga a focarmos no que pode ser alcançado e planejado”, acrescentou em uma entrevista coletiva dada em Londres.
Christophe de Margerie, diretor-executivo da corporação francesa de petróleo Total, também afirmou na quinta-feira, em Paris, que “as diferentes parte não estão dispostas a se comprometer” na redução de suas emissões de gás-estufa segundo um tratado internacional vinculante. Nesse contexto, Copenhague realizou no último final de semana um fórum promovido pela Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe), formada por parlamentares do Grupo dos Oito (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia) além de Brasil, China, Índia, México e África do Sul.
O encontro da Globe, criada em 1989, pretende mobilizar esforços em favor dos acordos mínimos que serão necessários em dezembro e mais além. O vice-presidente da Globe e membro do parlamento britânico, Graham Stuart, disse à IPS que a maioria das medidas necessárias para reduzir as emissões nos países industriais não precisa de um tratado internacional. Estas medidas são as que determinam padrões ambientais para a redução de emissões em edifícios, no transporte e nos aparelhos eletrônicos, no estímulo de energias renováveis e na otimização da eficiência energética, além das políticas de reflorestamento.
Benno Pilardeaux, porta-voz do Conselho Consultivo alemão sobre a mudança climática (WBGU), disse as IPS que especialistas ambientais que participam dos preparativos para o encontro de Copenhague consideram possível um acordo em dezembro.”O mais provável é que se estabeleça apenas um marco de posteriores negociações, para continuar os debates em uma nova conferência, a ser realizada em março do ano que vem”, afirmou Pilardeaux à IPS. O WBGU, integrado pelos cientistas de maior prestigio em todas as áreas do saber humano da Alemanha, assessora o governo em questões de mudança climática.
Considerando o bloco das negociações, o WBGU elaborou um novo protesto de reduções de gases causadores do efeito estufa, cujos fundamentos são, precisamente, a justiça ambiental e os limites nas emissões impostas pelo próprio desenvolvimento da mudança climática nos próximos 40 anos. Na proposta, intitulada “Solving the climate dilemma”, o WBGU recorda que a redução de emissões até 2050 está determinada pelo limite do aumento da temperatura média da Terra que os cientistas consideram tolerável e que estabeleceram em dois graus centígrados.
P WBGU insiste que respeitar este limite é imperativo para evitar consequências ambientais irreversíveis, incontroláveis e muito perigosas para a natureza e para a humanidade. A partir desse limite, o WBGU estima que nos próximos 40 anos a humanidade poderá emitir, no máximo, entre 600 bilhões e 750 bilhões de toneladas de dióxido de carbono CO². A margem depende da probabilidade estimada de que a mudança climática ocorra ou não, e em que grau, emfunção desse aumento da temperatura em dois graus.
Se a probabilidade de ocorrer a mudança climática for fixada em 75%, à previsão total de CO² será de 600 bilhões de toneladas. Se a probabilidade cair 67%, se chegará a 750 bilhões de toneladas. “Em qualquer caso”, alerta o WBGU, “até 2050 as emissões de CO² deverão ser reduzidas ao mínimo. A época da economia alimentada por combustíveis fósseis deverá ter terminado na primeira metade deste século”.
Hans Joachim Schellnhuber, coautor do informe do WBGU e principal assessor do governo alemão para mudança climática, disse à IPS que, “por uma questão de elementar justiça ambiental, a previsão total de CO² deve ser divida em partes iguais entre toda a população mundial”. Por que “um cidadão alemão teria direito a emitir mais CO² do que uma pessoa na Índia ou na Tanzânia”, perguntou. “A regra a seguir deve ser dividir de maneira justa a cota global de CO² com que a Terra pode sobreviver até 2050 entre a população mundial total”, acrescentou.
Assim, cada pessoa, independente de sua nacionalidade, tem direito a emitir 110 toneladas de dióxido de carbono nos próximos 40 anos. Schellnhuber, diretor do Instituto de Potsdam para a Pesquisa do Impacto Climático, recordou que cada cidadão alemão emite, em média, 11 toneladas ao ano. Nos Estados Unidos, essa média é de 19 toneladas/pessoas, na Austrália 18 e na China 4,6, enquanto Brasil e Índia têm emissões anuais de CO² inferiores a duas toneladas por pessoa. Destes dados se depreende que os países industriais já consumiram sua cota de CO² estimada pelo WBGU, ou a consumirá em poucos anos. Inclusive a China, segundo suas emissões atuais, dispõe apenas de uma cota para 34 anos.
Schellnhuber argumenta que o uso deste método permitiria estabelecer de maneira sistemática e justa objetivos precisos de redução de emissões até 2020 para todos os países industriais, além de determinar as responsabilidades das nações em desenvolvimento para conceber uma economia livre de carvão no médio prazo. O WBGU expressa a esperança de que “a cota total de carbono constitua a base das negociações para um novo tratado sobre mudança climática”, pois o conceito combina “princípios fundamentais de igualdade com cifras concretas para a redução de emissões, que todas as nações do mundo deveriam aceitar para prevenir a desestabilizaçao do clima da Terra”.
A secretaria da Convenção divulgou na semana passada novos números sobre emissões dos países industriais. Apesar da colocação em prática do Protocolo de Kyoto, a concentração de CO² na atmosfera continua aumentando. As emissões dos 40 países mais industrializados aumentaram 3% entre 2000 e 2007, diz um comunicado da Convenção datado da última quarta-feira. O comunicado acrescenta que, em embora as emissões das 37 nações obrigada pelo Protocolo de Kyoto tenham caído 16% desde 1990,isto se deve à queda das economias do antigo bloco socialista, e não a políticas ambientais e energéticas adequadas.
Fonte: (Envolverde/IPS) - 27/10/2009 - 01h10
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